Friday, August 28, 2009

Olá

A sua janela está coberta de neve.
Hoje não consigo ver devidamente,
O vidro está embaciado.

Olho para figuras indistintas que se movem lá dentro
Pequenas cores esborratadas que se mexem!
Tento descortinar quem elas são
Mas por muito bem que as conheça,
Não passam de borrões numa janela coberta de neve.

Entre a janela coberta de neve e mim
Cai neve
E cai neve em mim.

E a neve está fria
E o vento está frio
E eu estou do lado de fora
E o meu coração está frio.

E apesar de tudo...

Eu sinto o calor.
Sinto as ondas de calor que a lareira emite cada vez mais perto...
Eu sinto a felicidade.
Sinto a felicidade de quem sente calor...
Eu sinto a plenitude.
Sinto a plenitude de quem está feliz...

Mas sinto também
(e acima de tudo, sinto mais nitidamente isso)
Aquela mão morna no meu rosto
Aquela voz doce no meu ouvido
Aquele som do bater do seu coração
Aquele corpo atrás do meu
Aquele cheiro a bolinhos que ela trás-

Não.

Sou um boneco de neve preso a uma imagem
A uma miragem
A uma esperança

E morro de frio.

Monday, August 3, 2009

Dizer Adeus

Quando me sentei naquele banco de jardim, faltavam dez minutos para as três. A pontualidade sempre fora um traço característico meu, mas dessa vez, na ânsia de chegar a tempo, excedera-me e chegara demasiado cedo. Por isso, coloquei os fones do meu leitor de mp3 e ouvi as nossas músicas, de forma a ter algo com que me entreter enquanto esperava por ti.

Olhava os transeuntes passarem, os mais novos de bicicleta e os mais velhos numa marcha acelerada, alguns passeando de mão dada de sorriso na cara, apreciando a beleza mútua que eles partilhavam, e a beleza que a própria natureza exibia nas suas frondosas árvores e contagiantes flores, nos belos jardins verdes e no azulíssimo céu, para seu deleite. Eu, fechava os olhos, com força, para não me lembrar de ti, para me esquecer de quão ardentemente eu queria fechar a minha mão na tua, observar o intenso céu celebrando connosco a alegria de viver, sentindo o refrescante odor das amarelas flores, e sentar na macia relva, à sombra de uma grande árvore, vendo como o vento mexia com a sombra dos ramos no teu rosto, e como, quando movidos por uma fresca brisa, deixavam por um momento um gentil raio de sol fazer brilhar o teu olho, pregado no meu.

Fazia os impossíveis para limpar da minha consciência toda a eloquente beleza da natureza à minha volta, e concentrava-me em escutar a bateria que um maestro de dupla baqueta e com uma orquestra de tambores e pratos juntava à música. A nossa música. Desisti de tentar identificar as batidas, os sons, os ruídos, o passo que marcava a canção, porque lembrava-me de ti. Teria de ouvir algo mais rock. Algo mais intenso, algo que nunca caberia nos nossos momentos de intimidade emocional que teimavam em serem acompanhados pelo nosso partilhado interesse em música.

Tamborilava as minhas pernas com os meus dedos, pensando na escala musical que um certo pianista percorria com os seus mágicos dedos, num teclado branco e preto, que, na sua maravilhosa simplicidade, criava beleza, quando tu chegaste. Sentaste-te ao pé de mim, observando-me concentrar em algo que tu desconhecias ter como objectivo afastar a minha mente de ti o máximo de tempo possível. Mas tu sentaste-te ao pé de mim, como eu me forçava por me esquecer que era esse o preciso motivo da nossa contemporânea presença no mesmo espaço.

O silêncio do fim da música deixou-me sentir o teu movimento perto de mim. Mas antes que eu o pudesse aperceber, já o meu inconsciente cheirara o teu shampô. Virei-me, engolindo em seco como nunca na minha vida, nada preparado para enfrentar o teu rosto, como pensava que estava. Desarmaras-me ainda não sorriras.

- Olá. - disseste.

- Olá. - forçei-me a responder, com uma alegria triste na voz, numa palavra agridoce.

- Como estás? - perguntaste, ao que eu fechei os olhos em dor, perante a impossível banalidade que tentaras impôr à conversa.

- Pelo amor de Deus. Nem penses... Para além de isso ser uma tentativa frustrada de evitares os sentimentos que estão claramente à flôr da pele, atreves-te a perguntar como eu estou?! Como achas que estou?! Estou bem, sabes?!? É! ESTOU SUPER-BEM!

- Fábio... Por favor...

- O que vieste aqui dizer, diz de uma vez por todas!

- Tu sabes... - começaste, conseguindo na perfeição ausentar da voz o embargo que as lágrimas normalmente lhe causam. - Vim para dizer adeus - pelo que foi uma surpresa completa quando, olhando para a tua face para te confrontar por essa frase, a encontrei sendo o terreno por onde dois rios de lágrimas corriam. Perdi a fala, e todas as palavras de injusta raiva desapareceram com o golpe que o meu peito sofreu ao ver-te em sofrimento.

- Porquê? - limitei-me a perguntar, deixando também as lágrimas escaparem-se pelo canto do olho, eu sim, com o habitual nó da garganta toldando-me a fala. Falei baixinho...

- Não sei - respondeste, e pegaste-me na mão.

- Nem eu - disse, sem saber o que mais poderia ter dito, ao invés deixando as mãos terem o seu próprio diálogo, agarrando com força a tua: "Não quero ir", disse uma; "não quero que tu vás", disse a outra. Mas nenhuma boca proferiu essas palavras, nem expressou esses desejos, pois não precisavam de serem expressos - estavam subjacentes nas lágrimas que brotavam copiosamente. Não havia mais que dizer que não tivesse já sido dito, seja com palavras ou silêncios ou ausências ou emoções ou o corpo, se bem que o corpo não resistiu a manifestar-se, e por isso nos abraçámos. E por isso nos agarramos com tanta força, na esperança que não tivessemos que largar eventualmente, como depois largámos, e durante tanto tempo, implorando que esse tempo durasse o resto da vida e não apenas cinco minutos, como durou, e com o habitual encaixe corporal, esse nunca morrendo num abraço nosso.

Quando chegou a hora de largar dos sonhos que durante tanto tempo nos ocupou o sono e o estado consciente, largando o outro em si, as mãos demoraram-se no braço alheio, nunca querendo despegar, nunca querendo afastar-se mais do que aquela distância ridiculamente pequena que afasta todos os corpos os obriga a estarem sempre separados. Escorregaram pela pele do outro, roçando ao de leve na mão do outro, ainda resistindo ao impulso de agarrar o outro pelos dedos quando os dedos de ambos se tocaram antes de finalmente romperem contacto. Trocámos um olhar, filtrado pela água que ainda não limpáramos dos olhos, o único contacto equivalente ao físico em satisfação não sendo realmente físico. Dissemos adeus sem dizer uma palavra, porque nenhuma palavra ainda inventada teria sido capaz de exprimir a tristeza, a dor e a frustração de não poder fazer nada que inundava os corpos que partilhavam aquele banquinho mais do que era possível os corpos aguentarem.

As tuas pernas obrigaram a tua alma a afastar-se da minha, levantando-te o corpo, não antes de partilharmos o nosso último beijo, aquele que era o mais longo de todos, mas demasiado curto para nós naquele momento. Viraste costas às minha lágrimas, e avançaste com passos trementes para a saída. Vi a minha própria lágrima cair na relva, brilhando quando se abriu para o raio de sol que a ela se dirigiu. Trémula, entre a relva, piscou-me o olho.