Sunday, November 29, 2009

Carne

O táxi teve que dar a volta ao prédio. Quanta enrolação! Quanto trânsito. Perdemos a introdução dos colegas e as primeiras brincadeiras. Notei isso quando o taxi terminava de fazer o retorno na rua e uns jovens estavam passando pelo lado de fora do hotel, formando um circulo que só termina dentro do prédio, passando por uma portas de vidro. Caminhavam todos de mãos dadas no meio de tanta risada. Estava eu realmente empolgada para aquilo? Eu fazia força pra ainda gostar de algumas coisas, porque na verdade era preciso participar e achar graça em certas “piadas”, ou sempre iria continuar me sentindo um peixinho fora da água. O fim começou a acontecer ao sair daquele táxi. Estava atrasada, tinha pressa em pagar a minha parte. Naquela pressa toda, a minha colega emprestou o telemóvel dela para eu poder fazer uma ligação de vez em quando para o meu namorado. Não era importante pra ela ter o próprio telemóvel em mãos, porque o que mais a excitava era a grande bagunça que já acontecia dentro do hotel. Olhei pro telemóvel e descobri que ele era muito mais sofisticado do que imaginava e que pra escrever uma mensagem tinha que saber qual dos botões coloridos deveria ser apertado primeiro. Como já era fim de noite, caminhavamos com pressa até a entrada do hotel. Quer dizer, eu seguia a minha colega em seus passos rápidos. Algumas meninas passsavam por nós. Elas estavam histéricas. Naquela noite, elas sabiam que tinham a possibilidade de se divertir, beijar algum menino bonito, cheiroso. E quem sabe, ficar com o número dele pra depois ir atrás de outro mais bunitinho. Eu continuava intrigada em conseguir mandar pelo menos uma sms ao meu namorado, dizendo que já tinha chegado ao local e que afinal de contas, tudo continuava bem. Na primeira impressão que eu tive, o elevador parecia um pouco torto. Subia, subia. Eu decide ficar parada no meio do elevador pra equilibrar o peso. Que idéia mais tola! Ninguém faz isso! Não é preciso porque essas máquinas sabem muito bem o que estão fazendo. Aliás, quem não parecia saber o que estava fazendo era o responsável que nos guiava depois que saimos do elevador. Nós queriamos ir para o andar de baixo, lá, aonde estão os jovens formando uma grande roda e dentro desta mesma roda, mais outra e mais outra. Uma roda de jovens. Tinha uma carinha ou outra que eu conhecia. Vi uns meninos altos, alguns com cabelos cacheados e lembrei do meu namorado. Ele não podia estar ali e naquele momento não lembrava mais a razão por ele não estar lá, mas sabia que aquela folia toda o deixaria mais feliz do que normalmente é. A pessoa que nos guiava explicou que o motivo pelo qual não estávamos descendo para nos unir aos outros, era pelo simples fato de termos chegado atrasadas. Tínhamos que esperar por eles no andar de cima. Havia um grande buraco no centro do prédio aonde era possível inclinar a cabeça pra baixo e ver o que se passava por lá. Depois de alguns momentos, eles começaram a subir e conforme iam chegando, iam entrando na sala aonde eu estava.

Eu estava parada, encostada na parede. Reparei que todas a meninas usavam a mesma roupa. Uma camisa branca usada por dentro de uma saia preta que vinha até em cima da cintura. Parecia ser uma roupa já pré estipulada para a ocasião. Curioso. Foi tudo muito rápido, uma vez que eu estava ali apenas olhando, tentando encontrar algum rosto que fosse simpático o suficiente para começar uma conversa. Os rapazes se encontravam mais agitados do que as meninas. Eles já se conheciam todos? Parecia. Eles davam umas risadas, com força, com fome e se agitavam por todos os lados. Observadora e no meu canto, eu vi de longe que um rapaz segurava por debaixo da camisa uma jarra plástica de água e mostrava curioso para um outro rapaz. Ufa, não era uma arma. Era apenas água. Pra que ele quer água? Eu disse pra menina que se encontrava ao meu lado o que aquele rapaz tinha debaixo da camisa. Ela olhou pra mim e deve ter pensado de onde vinha tal preocupação minha nisso. Deixa ele ter o que ele quiser dentro da camisa! O tal rapaz desceu para o andar debaixo, através das rampas que eram emf romas de caracol. No andar de cima, eu conseguia ver tudo o que se passava nos andares de baixo. Ele passou em frente de umas meninas e jogou água nas camisas delas. O sutiã ficou bem a mostra e elas ficaram com aquele ar de indignação e piadinha da situação ao mesmo tempo. Ele não parou por ali, continuou jogando água nas camisas das outras camisas. Eu não tava muito afim de participar daquilo e resolvi alertar as meninas que ali estavam comigo. “Olha, estão jogando água nas camisas das meninas pra poderem ver o sutiã” Este meu comentário parece muito childish e não surgiu nenhuma preocupação nelas. Tinha um rapaz, pequeno e elétrico. Ele falava alto, dava umas risadas com força e foi ele quem começou a apalpar os seios das meninas que ali estavam ficando com as camisas molhadas. Assim começou. Mesmo aquelas que mostravam não gostar da brincadeira, ele dava mais risada ainda. Apertava os seios, dizendo comentários em voz alta para os outros e todos acabavam na risada. A minha visão ficou estranha. Com um nervoso súbito que subiu no meu corpo todo, tudo que estava a minha volta parecia estar mais aguçado. Eu só conseguia ver aquilo que se encontrava no meio da minha visão. Fui subindo as rampas do caracol. Queria ficar longe daquilo. Ia subindo e ia tentando ligar pro meu namorado pra dizer que aquilo não estava muito no espirito que eu esperava. A ligação terminou depois que ouvi a voz do meu namorado. Não consegui dizer mais nada porque o tal rapaz elétrico já estava por trás de mim, segurando com as duas mãos os meus seios. Eu paralizei. Não disse nada. E ele ficou ali apertando intensamente e dando risada em voz alta. Os outros chegavam perto de mim, me analisando. Eu decidi não falar nada, porque sentia que o fato de lutar contra a atitude deles, os deixava mais excitados. A minha ficha caiu. Estávamos sendo escolhidas. Íamos ser comida e fazer parte de uma suposta brincadeira de mal gosto naquela noite. Quando olhei em volta, percebi que a maioria eram meninos. E naquela altura já estavam todas as meninas berrando, implorando para tudo acabasse. Acabou a brincadeira. Aqueles meninos que eram bunitinhos no começo daquela noite e agora tinham se tornado nojentos. Monstros. Calma! Eu dizia para uma menina que estava ao meu lado. Não demonstre medo! Aonde estava a minha colega? O telemovel dela ainda estava comigo. E se ela quisesse usar para falar com alguém também? Aonde ela estava? Ai meu Deus... Nos colocaram uma do lado da outra. Um rapaz qualquer chegou por trás de mim, me apertou. Ficou agarrado, me segurando entre os braços fortemente. Eu sentia a exicitação dele por trás de mim ao mesmo tempo que eu controlava a minha respiração. Que vontade de gritar, que vontade de chorar, que vontade de vomitar. Nojo! Passou as suas mãos nas minhas pernas, e foi subindo com os dedos. Ele queria saber como eu era por dentro. Tinha carne. Eu era de carne e aquilo doia. Não tinha delicadeza nos dedos dele. Ele não tinha o menor cuidado. Me machucava tanto... Eu tive que pedir pra ele parar. As palavras foram mais fortes do que eu. Mas o que ele me respondia era apenas o hálito quente que sentia no meu ouvido. Parecia um cachorro. Ele disse “Essa daqui”. Me puxaram para fora da sala. A brincadeira agora era de tirar fotos e fazer vídeos através dos telemoveis deles. Eu era mais do que uma boneca insuflável. Um homem que trabalhava naquele lugar passou por nós e ali foi obrigado a ficar. Os meninos ameaçaram ele caso ele fizesse algum movimento suspeito. Foi “convidado” a assistir a brincadeira. Me batiam. Queriam que eu sorrisse pra foto. Queriam poses, queriam que eu me inclinasse, que me tocasse.

Três homens chegaram com pressa e dizeram que tudo aquilo passou tinha passado do controle e que eles tinham sido descobertos. Mais rápido do que eu pudesse imaginar, eu aproveitei aquela intervenção e saí correndo para as escadas abaixo, enquanto tentava discar o número do meu namorado no telemovel. Não conseguia concluir os números. Nervosa, correndo, olhando os degraus, olhando para trás, fugindo. Precisava aproveitar aquela oportunidade para fazer tudo. Eram instantes que acabam mais depressa... Meu pai atendeu a chamada. Eu tinha uma bola intalada na minha garganta. Tinha que fazer força pra falar, porque todos os sentimentos estavam reprimidos dentro de mim. Tinha que falar rápido. “Pai, chama a policia pro hotel. Eles nos forçaram, machucaram... viramos bonecas pai.” Com o sofrimento de pai, ele me respondeu “Já estão cercando o prédio... filha...” Eu tentei abrir uma porta de vidro que tinha na minha frente enquanto escutava o choro do meu pai. Tinha que me esconder. Até que me puxaram pra trás. Eram dois meninos. Eu disse que o chefe deles já tinha chegado e a resposta foi um soco no nariz. Não se importaram. Viram que eu estava fazendo uma ligação e a raiva cresceu dentro deles. A ligação continuava. Eu perdi o controle que tinha antes e implorei para não me matassem. Meu pai ouvia tudo na linha. Me inclinaram pra frente, batendo nas minhas costas. Iam me castigar, afinal de contas eles já não tinham mais tempo. Com toda força que ainda tinha, gritei que eles iam parar no inferno. O telemóvel caiu no chão, levemente. Diante de tanta dor que eu sentia, eu gritei pro meu pai desligar a ligação. Não era preciso que ele ouvisse mais nada. Os meus nervos pareciam estar dilacerados por dentro. A força toda que meu pulmão tinha, estava envolvida em gritos sendo sufocados com o meu choro. A minha alma não teve condições de continuar presa. Saiu de mim, deixando o meu corpo mole, sem respiração, sem dores.


Estupro: crime de forçar alguém ao coito mediante violência ou grave ameaça.

Juventude: Perídio da vida entre a infância e a idade adulta; mocidade. Energia, vigor.

O carro


À medida que conduzo a nossa velha carrinha por estas estradas desertas, estou a olhar em frente atento ao caminho e tu enrolada no assento ao meu lado olhas para essas planícies secas com vegetação quase inexistente. É o crepúsculo mas ainda não liguei as luzes, não agora, não neste momento belo á medida que o Sol se põe á nossa frente, lenta mas insistentemente.
Eu olho para ti e nem reparas, e penso em tudo o que passamos, penso principalmente no teu pedido meses antes para fazermos esta viagem e apercebo-me, pela primeira vez, que te amo.
“Estamos na tua casa, estamos a ver um programa qualquer, sentados no sofá dos teus pais. Estás encostada a mim e eu com um braço sobre os teus ombros. Sem aviso viras-te e com um olhar de quem acabou de ter uma epifania dizes:
- Temos que ir àquela cidade.
- Ahh?
- Àquela cidade. - Dizes apontando para a televisão. - Temos que ir lá.
É uma cidade qualquer no sul sem qualquer relevância cultural, social ou económica, mas que por qualquer razão decidiste visitar.
- Porquê? – Pergunto.
- Porque eu quero!
- Está bem…
- A sério? Vamos?
- Pode ser. Depois vemos isso…”
Passados quatro meses aqui estamos e apenas agora me apercebo que te amo. Decidimos passar três semanas naquele simples e aborrecido sitio que demora dois dias a chegar. Vamos fazer coisas que realmente não gostamos mas que todas as pessoas que estão de férias fazem.
Sem desviares os olhos da paisagem que passa rapidamente pela janela, vens e encostas-te a mim como fazias á quatro meses atrás quando decidimos fazer esta viagem, esta entediante viagem.
“Numa manhã antes de entrarmos para as aulas na universidade, estou encostado na parede do edifício em que vais ter aulas e tu encostas-te a mim dás-me um suave beijo nos lábios e dizes muito envergonhadamente mas muito sentida:
- Amo-te.
- Eu também. – Respondo sem pensar muito no que disse, quase mecanicamente.
É a primeira vez que mo dizes e eu não dou muita importância e tu também não dizes nada a pensar que eu achei aquela situação muito profunda, que não tenho palavras para o descrever, o que não é verdade. Nem te passa pela cabeça que eu não penso o mesmo que tu.”
Sem me aperceber, e provavelmente sem tu te aperceberes, adormeces encostada a mim e o teu peito move-se lenta e ritmadamente, os teus olhos estão fechados tão levemente que o simples toque de uma pena poderia abri-los.
Tivemos os nossos maus momentos, tantas discussões e tantos problemas que me fizeram querer ir embora. Passamos por isso tudo e agora estamos aqui, assim. Parecem tão perto esses momentos difíceis para ti, mas ao mesmo tempo parece que se passaram á anos atrás.
“- Cala-te! – Ordenas. - Já estou farta!
- Mas eu apenas disse que…
- Só dizes coisas absurdas. – Dizes enfurecida. – Nunca mostras afecto. Nunca falas de coisas que importam, de coisas que nos importam. Não te importas comigo…
- Eu não sou assim, eu não falo de sentimentos. - Digo irritado. – Tu sabes disso…
- Eu sei, eu sei e não gosto disso, mas gosto de ti e quero ficar contigo…
- Então fica. Fica. Mas não me peças para mudar. Sabes que não o farei.
- Sim, sim eu sei, mas não quero ficar assim.
- Se não te sentes bem, então… vai…
- Mas… eu… Amo-te, amo-te muito….
- Eu também…
E depois beijámo-nos e tudo fica bem entre nós. E tu não reparas que eu não disse aquelas três pequenas palavras que significam tanto para ti. Eu podia ter ido embora mas decidi ficar, por ti, para não te ver chorar, para não ouvir as tuas lamúrias.”
Eu continuo a conduzir, está tudo escuro, e reparo que a gasolina está a acabar por isso paro na estação de serviço seguinte e já á algum tempo que a noite caiu. Encho o depósito e entro na carrinha. Tu acordas-te quando saí mas ficas-te na mesma posição por isso quando entro tornas a ficar encostada a mim e logo voltas a adormecer, e nós continuamos a nossa longa viagem.
“- Seu porco. – Cospes-me na cara. – És um nojo, atiras-te a qualquer puta que olha para ti…
- Desculpa, eu não queria…
- Não querias a puta que te pariu. O que fazia a tua língua pela garganta dela abaixo? Não me venhas com histórias. Se não entrasse naquele momento de certeza que já estavas a foder com aquela vaca de merda.
- Mas bebi… e sabes que…
- Sei que o quê? Sei que o quê? Só por beberes uns copos a mais pensas que é justificação para andares metido com essas megeras nojentas para quem olhas? Não me venhas com as merdas de sempre.
- Eu não quero… por favor… amor ouve-me…
- Já estou a ouvir, e a ver as merdas que fazes ainda melhor. È melhor começares a explicar-te, bem e rápido porque estou sem paciência para olhar para essa tua carantonha.
E eu explico-te e tu aceitas-me de volta e decides não voltar a falar deste assunto nunca mais. Eu penso na hipótese que tive de me ir embora, de partir deste longo episodio das nossas vidas que insiste em não acabar, que nunca teve tanto significado para mim como tem para ti. Mas acabo por ficar, acabo sempre por ficar, talvez por ser o que conheço melhor, por ser aquilo que me faz sentir mais confortável. E então tu dizes:
- Amo-te…
- Eu também…
Tudo fica bem entre nós e tu não pensas no porquê de não o dizer, nunca reparas nas palavras que eu não digo, nem duvidas do que sinto. Nós continuamos como sempre estivemos, com apenas mais um obstáculo, um pouco mais magoados e um pouco mais vazios.”
Passa um carro por nós com os faróis no máximo e eu acordo de um transe qualquer, dum pensamento qualquer. Está tudo muito escuro á nossa frente, mal consigo ver. É raro passar um carro por estas longas e desertas estradas. Eu olho para baixo, para ti, e vejo os teus lindos cabelos castanhos lisos e brinco com eles entrelaçando-os entre os meus dedos.
“Tu estás por cima de mim e movimentas para cima e para baixo, num movimento ritmado. Os teus cabelos descem pelas tuas costas suadas colando-se a elas e eu amarro-te a cinta com as minhas mãos incitando-te. Tu dobras-te e agarras fortemente os meus cabelos. Beijas-me intensamente e de súbito levantas-te e gritas de prazer.”
Eu vergo-me e beijo gentilmente o topo da tua cabeça e tu estremeces em resposta. Eu paro imediatamente, não te quero acordar. Pareces tão pacífica e dócil e inesperadamente chamo-te num sussurro:
- Lynn…
Nada. Não me ouves.
- Lynn…
Chamo-te mais alto, desta vez estremeces novamente, mais bruscamente.
- Lynn!
- Sim?... – Dizes ainda meia sonolenta enquanto me olhas apenas com um olho.
- Eu amo-te Lynn…
Tu levantas-te subitamente desperta, olhas-me nos olhos intensamente como se te apercebesses de algo importante e respondes:
- Eu também te amo…
Então beijas-me como nunca antes. Beijas-me com intenção ardente, com paixão, com todo o amor que sentes e consegues colocar neste simples gesto. Eu tento responder da mesma maneira. Neste momento inquebrável, inesquecível embatemos de frente num camião, há sangue por todo o lado…

Thursday, November 26, 2009

Uma escolha


Numa noite de neve em que a lua cheia espreita por entre as nuvens, um carro vermelho desportivo viaja a grande velocidade por uma via rápida que atravessa planícies geladas com vegetação congelada. Parece um relâmpago que interrompe um dia silencioso, seco e ventoso.
- E então? Estás pronta? – Berrou ele por cima da música que passava no rádio.
- Por ti sim, mas por mim… não dá para alguém se preparar para algo como isto.
- É rápido, vais ver. É sempre muito rápido.
- Como é que sabes?
- Nos filmes é sempre rápido.
- Hahaha… São filmes. Lá é sempre tudo muito rápido.
- Sim, pois é. Mas não pode ser muito diferente.
- Está bem… se tu o dizes…
Continuam aquela curta e rapidíssima viagem em direcção a nenhum sítio. Ao verem um local extremamente iluminado no meio de um campo sem vegetação, apenas um manto de neve a cobrir o chão plano e não acidentado, saem da estrada e dirigem-se para lá.
Param o carro, saem e dirigem-se à mala. Ele abre a mala tira dois pequenos instrumentos de igual forma e tamanho, e dá um a ela. Eles dirigem-se ainda mais para o centro da luz e estacam um em frente ao outro.
Eles conseguem ver perfeitamente as faces um do outro com aquela luz, a sua juventude está explícita nas suas faces. Têm as caras vermelhas pelo frio e conseguem ver claramente as lufadas de ar à sua frente. Estão de manga curta, mas naquele momento não importa, não é o mais importante. Ela segura com as duas mãos uma pistola direccionada ao peito dele e ele… com uma mão aponta ao peito dela.
- Não apontes ao meu coração. Quero-o intacto com o meu amor por ti. - Disse ela desviando também a sua arma do peito dele.
Apontando à cabeça dela, ele volta a direccionar com a mão livre a arma dela ao seu peito.
- Eu quero que tu deixes uma marca profunda no meu coração. – Disse com um simples sorriso desarmante. – Aos três…
Um… Dois…

Wednesday, November 18, 2009

Sofá


Tu estás aqui sentado neste sofá, aconchegado mesmo ao meu lado, estamos encostados no braço, as nossas pernas estendidas pelo resto do sofá e tu encurralas-me contra as costas, como é bom este suave e feliz aperto.
Estás vestido com a roupa que chegas-te, as tuas calças de ganga e a tua camisola listada, negra e cinza, os teus cabelos arranjados de forma a parecerem despenteados, nada em ti parece confortável. Enquanto isso, eu pareço gritar conforto do fundo dos meus pulmões, vestida com este camisolão de lã grossa que me chega a meio das coxas com meias também de lã que me chegam aos joelhos. Mas apesar de tudo tu transpiras relaxamento para mim. Fazes-me sentir tão bem perto de ti…
Tocas-me terna e docemente, os teus pés descalços roçam nas minhas pernas e com eles desces as meias de modo a tocares nelas. As tuas mãos envergonhadamente sobem pelas minhas largas mangas e deslizas os teus dedos num movimento de mar nos meus braços. Um simples toque teu deixa-me toda arrepiada, sentir a tua pele a tua proximidade desta maneira enlouquece-me de prazer. Mas tu não fazes nada de mais, apenas me tocas suavemente, quase como a tentar-me, mas sem o fazeres realmente, apenas o fazes porque sim.
Uma música qualquer toca na aparelhagem e tu movimentas-te de acordo com a melodia quase como hipnotizado, enfeitiçado pelos sons, pelo incansável ritmo que define a beleza dessa banal mas linda música. Eu simplesmente mexo no meu cabelo brincando com os meus caracóis como sempre faço e inesperada mas ternamente, sinto os teus lábios tocando quase acanhadamente o meu pescoço e toda a minha pele se arrepia e treme suavemente. Dás pequenos mas doces beijos por todo o meu pescoço, no meu ombro e na parte do meu peito exposto pela camisola, não tens medo da minha rejeição mas também não a dou.
Sei que não o queres fazer, eu também não. Mas sem intenção pareces secretamente desejá-lo. Eu desejo ficar assim para sempre, estar aqui bem ao teu lado e tu tocando terna e eternamente, desejando o que não queres, querendo o que realmente não esperas apenas existir assim um bem perto do outro.
Entrelaças a tua mão na minha lentamente. Pareces querer descobrir como a mão funciona, como se dobra com essa tua propositada lentidão. Espero que acabes de me explorar envergonhadamente. Facilmente coras, tal como fazes agora, e reparas como que de surpresa o que estavas a fazer, e o que poderia parecer, então coloco a tua cabeça no meu ombro, isso parece acalmar-te. Pareces relaxado mas estás nessa posição quase precária, basta um toque para te deitar abaixo do sofá, um toque e tu desfazes-te e apesar de tudo, infantilmente adormeces a meu lado como se de um sonho tudo se trata-se.

Wednesday, November 11, 2009

A Garrafa


Tenho esta garrafa bem ao meu lado. Desejo que me faça esquecer do que se passou, que me faça esquecer daquela pessoa. Da pessoa que me encheu de alegria e me tirou daqueles pensamentos depressivos e negros. Desejo esta garrafa como nunca, quero voltar a sentir-me como se tudo fosse um sonho como se tudo fosse alegre e não houvesse realmente tristezas, quero-me sentir como se tudo fosse correr bem e se pode fazer tudo e qualquer coisa.
Tenho esta garrafa e já falta um pouco do seu conteúdo. Este rancor, que cresce mas diminui, por aquela pessoa que me irritou e precisa de crescer. Cresceu e tornou-se alguém mas precisa crescer e tornar-se realmente alguém. Fico fraco só de pensar que perdi alguém que me conseguiu fazer feliz, mas quero ficar fraco assim. Poderia ser tudo mais fácil, mais simples, sei que sim, tenho a solução perfeita.
A minha garrafa já vai a meio. A realidade parece tornar-se um sonho e aquele ser, já não parece um problema, uma coisa a odiar, mas não um problema, não mais, não agora, não por enquanto. Fico feliz por estar assim por desejar rancor por desejar bater em alguém que já me fez tão feliz e me acalmou a alma, o meu ser, aquilo que sou. Não lhe quero fazer nada, apenas poder odiar calmamente e sem interrupções. Quero odiar em paz.
Já falta um bom bocado a este precioso líquido. Mas quem lhe deu autorização para me tirar a minha infelicidade, o meu ódio pelo mundo, agora que me tirou isso ficou com o meu ódio todo para si, bem o merece. Espero que seja feliz mas que o seja longe de mim, longe da minha infelicidade, longe da minha vida, longe das minhas pessoas. Continuo a gostar daquele reles ser, custa-me fazer-lhe mal, mas hei de chegar lá, hei de chegar ao ponto de desejar desfazer, destruir, mas por enquanto estou bem.
Tenho uma garrafa vazia a minha frente…

Tuesday, November 3, 2009

Nuvem


Ele caminha sozinho por aquelas ruelas a pensar no que fazer, no que dizer, no que mostrar. Sente-se tentado a destruir, a desfazer, a despedaçar algo, alguém. Mas não sabe, não sabe de nada.
Caminha sem sentido, sem rumo, na semi-obscuridade, os que passam por ele, reparam todos, mas desejam não o fazer, pois o ele negativo invade cada poro das pessoas. Percorre a cidade toda e vê gente sem ver, os seus amigos fogem, nem chegam perto dele pois vêm, mais que sabem, que ele os escorraça. Desejam não olhar, não ver aquela desgraça em que aquele ser, aquela pessoa se tornou, por não saber.
Começa a chorar sem se controlar, não sabe porquê, porque razão, apenas sabe que não sabe. Ele simplesmente não sabe. E isso irrita-o, trespassa-o por dentro, esta ignorância incompreensível.
Está a morrer por dentro e ele sabe-o. Ele sabe disso e mesmo assim não quer saber, pois ele só quer ter a certeza, só quer saber. Mas não sabe, não consegue saber, não pode saber, não agora.
Tenta se lembrar de quando tudo começou, porque começou, onde começou, mas não sabe. Foi como se estivesse destinado, como se a natureza assim o quisesse e tal aconteceu naturalmente, tal como decidiu que todo ele se torna negro, que todo ele chovesse.
Anda sem parar, não sabe se para fugir, se para procurar, mas continua a caminhar, a percorrer a cidade. Não para. Não quer parar. Não pode parar.
Uma dor trespassa-lhe o peito olhava para o chão, mas isso não o impediu de saber o que se encontrava á sua frente, não precisava ver, não precisava cheirar pois sentia, o seu corpo tal lhe dizia. Ele não queria acreditar, mas assim era. Como um raio ele tornou-se luz, tornou-se um final de dia resplandecente. Levantou os olhos e viu, viu na sua cara, no seu olhar o reflexo do seu. Como duas criaturas que são um só ser, juntaram-se, agarraram-se, beijaram-se como se não houvesse amanhã…. Beijaram-se como se não existissem…

Monday, November 2, 2009

As Minhas Costas


Estamos a passear pela cidade, as pessoas passam por nós, olhando e outras não, apenas um dia normal como os outros. Caminhamos lado a lado, com uma certa distancia, sem nos tocarmos como sempre fazemos, essa difícil mas reconfortante situação, demasiado comum entre nós e estranha para o mundo. Subitamente, ao passarmos por uma brecha ente dois prédios, o Sol do entardecer bate em nós. Tu com essa linda blusa negra dizes-me:
- Abraça-me!
Eu hesitantemente mas sem pensar muito nisso abraço-te, tu tentas-te desculpar com uma tal invenção de estares com frio, como sempre fazes. Aceito o que faço, estranhamente, e tu pareces gostar e pergunto-me porque nunca mo pediste antes.
Lembro-me, recordo momentos passados, como num sonho. Numa tarde de Verão pegar em ti ao colo e apesar de protestares, nem tentas te libertar. Num concerto ao qual me convidas-te e eu a sentir-te bem perto de mim. No nosso café habitual onde tu me elogias e eu coro estupidamente. Os teus constantes convites românticos. Os teus lábios tocando suavemente o meu pescoço. A minha mão tocando gentilmente na tua e tu retrais-te ofendida. Isto interrompe as minhas memórias.
Penso em todos os raros avanços que tentei, em todas as palavras doces que te dirigi e a tua fuga irracional, a tua renegação ao meu afecto. Depois vejo as tuas tentativas de me tocar, de me sentir, de me convencer que é tudo pura e simplesmente natural. Realizo-me desse impasse, dessa constante hesitação. Apercebo-me do poder que tens, o poder que te dei sem me aperceber. Manipulas-me como queres e eu, muito ignorantemente, sigo-te, como um cachorrinho perdido. Só tu mandas, só tu tocas, só tu sentes, só tu podes mostrar afecto. Eu tento, tu foges, tens medo…
Nós continuamos a caminhar abraçados, com um movimento mecânico e estranho pelo contacto, mas bem-vindo e reconfortante. Gosto disto, gosto de te ter assim, comigo. Passear pelas ruas sem rumo, sem sentido, sem intenção.
Como gosto estar contigo, estar perto de ti, passar tempo contigo. Adoro que tu venhas ter comigo, que me mostres afecto, que me mostres o mundo. Não é isto que preciso.
-Adeus!
Tu ficas a olhar, com um ar interrogativo, para mim, enquanto tentas descobrir o que se passa, o que provocou esta súbita reacção. Não te mexes, não sais do mesmo lugar aparvalhada. Enquanto olhas para mim, para as minhas costas eu vou-me, para não mais voltar…