Saturday, April 10, 2010

o amor ao contrário

1

Vieste com sonhos. Por isso te fechei a porta. Porque com sonhos não faço nada. Vieste com sonhos e irascível pediste-me que mudasse. Disseste: Dá-me a mão. Disseste: Fica comigo até ao amanhecer que a noite não me assusta. Ainda que esteja fria. Se estiveres comigo não tenho medo.

Eu dei-te a mão. Sem medo esperei que viesses até mim. Que na minha pele te pudesse encontrar. A noite estava longe, cada vez mais longe e algo em mim sussurrava em segredo. Algo em mim me relembrava como não me podias amar.


2

As estrelas estavam altas quando me deste a mão. Tinhas um corpo gentil mas não te sentia de verdade. Não soube ver como em ti esvoaçava alguma vontade de voar. Numa praia perdida. Num algures longínquo tocava-te no corpo e tu deixavas. Mas em mim nenhuns olhos existiam. Só vontade. Só desejo.



3

De voar pela noite. Pensei que pela tua mão o poderia fazer mas em mim nada o gritava em mim nenhumas asas se criavam ao teu toque. Pensei que por dentro me enternecesse. Pensei que em mim algo sonharia em nós. Em nós, como se fossemos um. Como se por fim fossemos um.



4

Lembro-me das tuas ancas. Lembro-me do toque da tua pele na minha. Lá longe ouvia vozes. Por vezes vagueavam em mim. Era uma noite de Agosto. E enquanto fingia fazer amor contigo tocava-te no corpo. Sem que as vozes me ocultassem uma verdade. Sem que o amor chegasse quando nunca eu o esperei.



5

Quando me tocaste foi como se algo caísse em mim. E mesmo assim pelas ondas do mar deixei-me ir. Mesmo assim deixei-me levar. Esperava o antídoto da solidão. Esperava o amor e quiçá; alguma paixão. Quando te olhei os olhos vislumbrei o vazio do meu passado. Um vazio de ti; de toda a gente. Numa praia deserta de verão fingíamos amar.


6

Longe de mim querer que ficasses para sempre. Só não queria estar sozinho. Queria encontrar a liberdade e não me ocorreu encontrá-la senão na tua pele. Quando me perguntaste se te amava: estava distraído em mim.



7

Amas-me?


8

[…]



9

Lembro-me da minha voz. Lembro-me do silêncio que se seguiu. Lembro-me de como fingimos os dois que eu nunca tinha falado. Como se o silêncio fosse imenso em nós, como se nada existisse senão os corpos, senão as ondas do mar bem perto e o mundo lá longe.



10

Amas-me? – disseste. E eu calei-me. Calei-me porque não podia falar. Lá longe as ondas e apenas isso. fingi não existir. Fingi não saber pensar. Até que por fim sussurrei em mim sem que pudesses ouvir. Vezes sem conta sussurrei. E quando te olhei soube ver como em ti sussurravas também:

11

Desculpa.

12

Desculpa.