Thursday, May 28, 2009


Armazenar luz e solidão nos recantos mais fugazes do corpo. E o silêncio, o silêncio como os ossos quando não rangem. Quando não nos sabem dizer que o tempo nos interpela, que nos pede que a vida seja mais… e mesmo assim nos ordena que não sejamos ninguém.

Quando a mão pousou sobre o corpo, nada mais se pode ouvir, porque tudo o que ela soube fazer; foi tocar:

A luz no escuro… a luz que não penetra na escuridão, quando a escuridão me preenche como um todo e mesmo assim eu tento. Mesmo assim eu grito como se tivesse voz!

A mão que fala sem que lhe dêem voz e percorre o corpo. A voz que preenche as curvas feitas de vazio e pele. As curvas que antes sabiam falar…

Quando dentro de mim nada mais pertence; só aí poderei ser livre de mim. Só aí ao sucumbir ao deserto de um outro corpo que não seja o meu.
O joelho que se entrelaça na perna… um corpo que se encosta ao meu.

Amanhã não posso dormir tanto. Amanhã tenho que trabalhar mais...

Uma mão que não sabe quem sou e mesmo assim rouba de mim o que lhe deleita a voz. A voz que não tem.

Tenho as compras… tenho as contas para pagar…
Um boca que me beija a pele, uma pele que se arrepia na minha.

E mesmo assim não sou tua… amanhã talvez eu possa esquecer. Talvez eu me esqueça de como me preenche o calendário. De como se afogam os dias em mim sem que eu os saiba viver.
Um corpo sobre o meu, e apenas o peso. Uma voz que me pede e fala e diz;
...


... e eu não sei ouvir.

Amanhã talvez não doa tanto. Talvez se eu tentar… se continuar a tentar…

Gostaste?
Gostei…

Ele estava a olhar para mim...


Num pequeno apartamento, daqueles que não têm quartos, e que a sala e a cozinha estão na mesma divisão, morava 1ª pequena família de 3. Num dia de chuva houve um descarrilamento de um comboio. O dono da casa perdeu a sua mulher e filha nesse acidente. Vendo a sua vida sem rumo nenhum, pendurou uma corda, mesmo no centro do seu pequeno apartamento, e enforcou-se com um sorriso na cara…
No mês passado, uma das pessoas mais forretas neste mundo, que por acaso é o meu irmão, comprou um pequeno apartamento nos subúrbios da nossa terra natal. Era um mini-apartamento em que o quarto, sala e cozinha eram uma só divisão. Desde que o comprou ele andava muito irrequieto como se algo o preocupasse. Então ele decidiu pedir-me ajuda para limpar a casa dele, porque parecia que dono anterior tinha deixado lá todas as suas tralhas. Eu apareci como prometido, e só meia hora depois é que ele apareceu. Ele entregou-me a chave e ia-se embora até que eu o chamei e perguntei-lhe se ele não vinha.
-Tenho de ir trabalhar…-respondeu ele muito rápido.
E antes que eu pudesse refilar com ele, já tinha desaparecido. Muito contrariado fui limpar a casa dele. Mal abri a porta um cheiro nauseabundo abateu-se sobre mim, e vi que o chão estava cheio de sacos pretos cheios de lixo. Passei a próxima hora a levar sacos do lixo do 4 andar para o caixote do lixo do apartamento, e ainda por cima o maldito elevador não funcionava. Estafado deitei-me na única divisão para além da casa-de-banho. Reparei que de uma trave de madeira do tecto pendia a ponta de uma corda cortada, cansado como estava, pensei:
-Daqui a um bocado tiro-a…
Sem reparar tinha adormecido. Já era de noite quando acordei.
Mas mal abri os olhos tive uma visão peculiar. Vi as plantas de uns pés a poucos centímetros de distância da minha cara no meio do ar. Os ditos pés estavam exactamente por baixo da corda. Foi então que me apercebi…
ELE ESTAVA A OLHAR PARA MIM…