Thursday, January 12, 2012

Excerto de Um Retrato de Uma Confissão

Saí da cama para te ir buscar a uma hora inconveniente e absurda, sem razão egoísta. Vesti-me, depois de me ter preparado para dormir, e saí para o frio. Saí porque te queria proteger. Queria abdicar da minha segurança para te dar alguma extra. Queria-te bem, queria que nada te acontecesse, e queria estar lá para o caso de algo acontecer, que me acontecesse a mim.

Pois olha, vai para a puta que te pariu. Se soubesse o que sei hoje, tinha-te deixado lá a morrer ao frio - melhor, tinha-te dito que iria e tinha-te deixado à minha espera, para que sentisses dentro de ti aquele calor de esperança, de não tarda estarei bem, para que ele fosse esmorecendo aos poucos, até só te restarem cantos frios da alma. Devias ter lá ficado, sentada no passeio, vendo as pessoas indo para casa, mais ao menos bem, mas para casa ainda assim. Doía-te a cabeça? Não tivesses ido. Tivesses ficado em casa, a estudar, ou comigo.

Queres estar comigo agora? Vai-te foder. Só que não to consigo dizer. Ouço a tua voz e tudo o que consigo fazer é anuir sabendo perfeitamente que o que deveria fazer era precisamente mandar-te foder, cobrar-te também por aquilo que me cobras. Anuo e vou, vou-te buscar, um quarto de hora estou aí.

E não sabias, mas não deveria ter ido, enfrentei obstáculos e pessoas indesejáveis, enfrentei vergonha e embaraço, tu não o merecendo. Mas pés à estrada, estás à minha espera. Pés à estrada... pés à estrada. Não tenho razão absolutamente nenhuma para isso, mas toca a meter os pés à estrada! Nem sequer mo pediste, disseste-me inclusivé que não fosse, mas pés à estrada e lá vou eu! Credo, como eu te odeio. Soubesse o que sei hoje... Na verdade, já sabia. Na verdade... Eu não queria ver. Mas não tendo reconhecido o devido... pés à estrada.