Wednesday, January 16, 2019

Ruas de Portugal numa Noite de Inverno

São belas as noites de Portugal.
Poderia passar um Ramalhete a descrever
O tom dourado do breu
Com que a luz enche as ruas de Portugal
À noite, no Inverno

Parece que entramos nela, e ela em nós,
Com o silêncio dos nossos passos no asfalto
A marcar o ritmo da eternidade

Há uma fonte de
Ténue e contínuo gorgolejar que
Na orla da cidade
Ameaça parar no momento a seguir...
A seguir, a seguir, a seguir,
Mas que teima cantar o passar do tempo gota
A gota.

A luz incide na minha mão e não me deixa ver
O que escrevo.
Faz sentido - não é para agora.
É para alguma rua fria de Portugal
Sem o orvalho à luz da noite alta,
Para que nos sirva de ténue lembrança
Baça, mas que perdura,
Ao som dos nossos passos lentos
Contra o teimoso correr do tempo.

Friday, March 30, 2012

Thursday, January 12, 2012

Excerto de Um Retrato de Uma Confissão

Saí da cama para te ir buscar a uma hora inconveniente e absurda, sem razão egoísta. Vesti-me, depois de me ter preparado para dormir, e saí para o frio. Saí porque te queria proteger. Queria abdicar da minha segurança para te dar alguma extra. Queria-te bem, queria que nada te acontecesse, e queria estar lá para o caso de algo acontecer, que me acontecesse a mim.

Pois olha, vai para a puta que te pariu. Se soubesse o que sei hoje, tinha-te deixado lá a morrer ao frio - melhor, tinha-te dito que iria e tinha-te deixado à minha espera, para que sentisses dentro de ti aquele calor de esperança, de não tarda estarei bem, para que ele fosse esmorecendo aos poucos, até só te restarem cantos frios da alma. Devias ter lá ficado, sentada no passeio, vendo as pessoas indo para casa, mais ao menos bem, mas para casa ainda assim. Doía-te a cabeça? Não tivesses ido. Tivesses ficado em casa, a estudar, ou comigo.

Queres estar comigo agora? Vai-te foder. Só que não to consigo dizer. Ouço a tua voz e tudo o que consigo fazer é anuir sabendo perfeitamente que o que deveria fazer era precisamente mandar-te foder, cobrar-te também por aquilo que me cobras. Anuo e vou, vou-te buscar, um quarto de hora estou aí.

E não sabias, mas não deveria ter ido, enfrentei obstáculos e pessoas indesejáveis, enfrentei vergonha e embaraço, tu não o merecendo. Mas pés à estrada, estás à minha espera. Pés à estrada... pés à estrada. Não tenho razão absolutamente nenhuma para isso, mas toca a meter os pés à estrada! Nem sequer mo pediste, disseste-me inclusivé que não fosse, mas pés à estrada e lá vou eu! Credo, como eu te odeio. Soubesse o que sei hoje... Na verdade, já sabia. Na verdade... Eu não queria ver. Mas não tendo reconhecido o devido... pés à estrada.

Thursday, December 8, 2011

Carta a Um Fantasma

Não sei quem és, e ainda assim, conheço-te, talvez, melhor do que gostaria de conhecer... Conheço-te de dentro para fora. Porque te fiz a partir de mim.

Quero agradecer a tua inexistência - dou graças por não existires. Porquê? Porque materializarias tudo o que eu desejo em alguém, e se existires, quem me garante que serás perfeição para mim? Hm? Quem é que me diz o futuro? Prefiro ir coleccionando pedaços de ti ao longo do tempo.

Acho que já tenho alguns, sabes? Acho que já encontrei alguns pedaços da tua alma, mundo fora, e guardei-os para mim; sou eu quem os tem. Não sei se já o sabias... não vieste à minha procura...

Mas hoje... esta noite... queria que estivesses comigo. Agora. Preciso de ti, preciso de braços, preciso de peito, preciso de pele... e de coração. E alma, preciso de alma. Mas é como te digo: se não existes, como é que eu te posso desejar, e querer perto? Essa é outra pergunta... Como é que posso querer a alguém... que existe dentro de mim apenas?

É por isso que te escrevo. Falar-te, escrever-te... comunicar contigo... é como se te criasse, é como se existisses no mundo, só estando longe. Com esta carta a um fantasma faço de ti carne e osso, pele e órgãos, realizo-te, crio-te - a partir do nada. Por isso, e porque agora existes, peço-te, atende ao meu pedido, volta.

Vou estar à tua espera. Já sei como és, conheço-te... Vais-te fingir de desinteresse, vais dizer "agora não posso... estou com demasiadas ocupações", vais-me gozar, só para veres a minha cara vestida de espanto falso quando realmente te vir chegando... Porque eu sei que te dá um gozo enorme excederes as expectativas que achas que me impuseste... Pois olha, estou esperando. Não demores muito.