Wednesday, August 17, 2011

3. A Morte

Vim morrer a Ribeira de Pena. Não vim por amigos perdidos ou familiares esquecidos, nem por amores antigos de uma juventude feita de beijos roubados, de bom grado furtados debaixo das longas saias das mães. Não vim pelas memórias contadas pela calçada e pelas esquinas, e muito menos para morrer entre as quatro paredes que me viram nascer. Vim morrer a Ribeira de Pena porque tem de ser.

Não é um acto simbólico de ciclicismos da vida. Não vim por um arrependimento que, chegada tão perto a hora da morte, me obriga a tentar colmatar falhas do passado - e falhar. Não é um acto de egoísmo, não vim para que me vissem falecer os que compartilham do meu sangue, e por sua dor se compadecessem de mim. Não vim porque não tinha mais para onde ir, Ribeira de Pena é o último sítio em que penso como sendo um possível refúgio. Vim para Ribeira de Pena porque aqui não há barulho, e quero ouvir as asas da morte chegando.

Não me importo de reviver as memórias de um passado tão doce quanto mais distante, não me importo de me rodear dos que me são próximos, dos meus amigos de infância e dos irmãos que me restam, e tão-pouco me importo se um amor do mais-que-perfeito me revisita e me faz provar do fantasma daquele sentimento de fuga, violação de regras, hormonas e pele. Mas no fim, não importa. Vim morrer a Ribeira de Pena porque sei que a morrer, morro só, e mais vale só que mal acompanhado.

3 comments:

  1. Lindo. De facto, toda a gente morre só.

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  2. Eu gosto de pensar que não.

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  3. "quero ouvir as asas da morte chegando."

    Morrer sozinhos?
    Imagino que segundos antes da alma fechar os olhos para o mundo, estamos carregados de tanta coisa q aconteceu e tantos sonhos q ficaram apenas em sonhos.
    Quem morre, nunca está só. Apenas deixa para trás aquilo que a alma não pode carregar e a morte em si, não acompanha, apenas transporta.

    A solidão é para aqueles que ficam vivos; a Morte que ainda não os soube encontrar.

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