Monday, October 12, 2009

Desculpa. Mas esta noite não quero mentir. Finges que vens da guerra mas não vens. Entras em casa pousas o copo e deitas-te na cama.
Não comes porque já não sentes o corpo e não perguntas pelo teu filho porque não te lembras de ter um. E entre gritos e berros, porque não sabes susurrar, sentas-te na cama e apregoas mundos que nenhum de nós viu. Onde apenas a tua rudeza, o teu sobejo pensamento pode entrar.
Na cama o teu filho chora e ainda assim não o podes ouvir. A cada pingo desta última esperança, que se escorre de mim, incha o teu orgulho.
Hoje sou eu quem sai da cama mas não reparas. Deito-me no sofá com o cobertor por cima e tu ficas sentado na cama aos berros com a parede. E ao olhá-la vês-te no fundo de um copo como um herói quando na verdade te sentes um traidor...
Quem sou eu para te julgar? E como o posso fazer, se todas as noites me preocupo somente com ensurdecer os teus berros, para que na voz da nossa criança eles não possam mais crescer. Quando todos os dias saio de casa para lhe dar de comer, e quando volto? Quando volto não estás, não sei de ti... mas já não me interessa saber. Porque sempre que chegas, chegas assim... e isto que trazes contigo nao é o homem que amei.
Se te molda a razão talvez não a tenhas. Se te destrói em ti... talvez não te tenhas também...
Do lado de lá,ele chora. Um choro ensurdecido pelos teus berros e ninguém o ouve- só eu. Só eu porque o ouço por dentro, enquanto choro também.
No dia seguinte levantamo-nos todos e ao sair de casa enquanto lhe pego na mão penso em uma outra casa que hei-de ter. Quando o meu pé toca na calçada levo a mão à boca, por entre o cansaço esqueci-me de como dói a tua mão na minha cara.
Mas sempre que acordo, dói-me mais a tua voz, a tua irresponsabilidade e a forma como desprezas o que um dia amaste.
Amanhã não vou voltar. Porque já não te sei perdoar. Amanhã vais ficar sozinho e eu quero que fiques assim. Porque só assim podes saber como dói. Como é a dor quando até hoje não a soubeste sentir.
Não. Por mais que queira, não te posso julgar. Mas julgo que não posso ficar.

No dia seguinte ele chegou, como habitualmente fazia cambaleou pela entrada. Caiu no sofá e berrou. Não sabemos ao certo porque berrava, mas não importava saber porque nele nada existia senão isso. Senão a raiva de um homem que já não sabe amar. Durante toda a noite berrou como se não estivesse sozinho. Os vizinhos por entre os berros habituais não souberam que nessa noite ele não bateu em ninguém.
Na manhã seguinte: O silêncio de uma casa vazia. O silêncio de um armário sem roupa, de uma cama sem gente e um homem... um homem que encolhido sobre si chorava. E por vezes ao abrir os olhos ele levantava a cabeça e esperava que tudo tivesse mudado mas o armário continuava vazio e o silêncio... O silêncio lembrava-lhe o passado.

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