Sunday, November 29, 2009

Carne

O táxi teve que dar a volta ao prédio. Quanta enrolação! Quanto trânsito. Perdemos a introdução dos colegas e as primeiras brincadeiras. Notei isso quando o taxi terminava de fazer o retorno na rua e uns jovens estavam passando pelo lado de fora do hotel, formando um circulo que só termina dentro do prédio, passando por uma portas de vidro. Caminhavam todos de mãos dadas no meio de tanta risada. Estava eu realmente empolgada para aquilo? Eu fazia força pra ainda gostar de algumas coisas, porque na verdade era preciso participar e achar graça em certas “piadas”, ou sempre iria continuar me sentindo um peixinho fora da água. O fim começou a acontecer ao sair daquele táxi. Estava atrasada, tinha pressa em pagar a minha parte. Naquela pressa toda, a minha colega emprestou o telemóvel dela para eu poder fazer uma ligação de vez em quando para o meu namorado. Não era importante pra ela ter o próprio telemóvel em mãos, porque o que mais a excitava era a grande bagunça que já acontecia dentro do hotel. Olhei pro telemóvel e descobri que ele era muito mais sofisticado do que imaginava e que pra escrever uma mensagem tinha que saber qual dos botões coloridos deveria ser apertado primeiro. Como já era fim de noite, caminhavamos com pressa até a entrada do hotel. Quer dizer, eu seguia a minha colega em seus passos rápidos. Algumas meninas passsavam por nós. Elas estavam histéricas. Naquela noite, elas sabiam que tinham a possibilidade de se divertir, beijar algum menino bonito, cheiroso. E quem sabe, ficar com o número dele pra depois ir atrás de outro mais bunitinho. Eu continuava intrigada em conseguir mandar pelo menos uma sms ao meu namorado, dizendo que já tinha chegado ao local e que afinal de contas, tudo continuava bem. Na primeira impressão que eu tive, o elevador parecia um pouco torto. Subia, subia. Eu decide ficar parada no meio do elevador pra equilibrar o peso. Que idéia mais tola! Ninguém faz isso! Não é preciso porque essas máquinas sabem muito bem o que estão fazendo. Aliás, quem não parecia saber o que estava fazendo era o responsável que nos guiava depois que saimos do elevador. Nós queriamos ir para o andar de baixo, lá, aonde estão os jovens formando uma grande roda e dentro desta mesma roda, mais outra e mais outra. Uma roda de jovens. Tinha uma carinha ou outra que eu conhecia. Vi uns meninos altos, alguns com cabelos cacheados e lembrei do meu namorado. Ele não podia estar ali e naquele momento não lembrava mais a razão por ele não estar lá, mas sabia que aquela folia toda o deixaria mais feliz do que normalmente é. A pessoa que nos guiava explicou que o motivo pelo qual não estávamos descendo para nos unir aos outros, era pelo simples fato de termos chegado atrasadas. Tínhamos que esperar por eles no andar de cima. Havia um grande buraco no centro do prédio aonde era possível inclinar a cabeça pra baixo e ver o que se passava por lá. Depois de alguns momentos, eles começaram a subir e conforme iam chegando, iam entrando na sala aonde eu estava.

Eu estava parada, encostada na parede. Reparei que todas a meninas usavam a mesma roupa. Uma camisa branca usada por dentro de uma saia preta que vinha até em cima da cintura. Parecia ser uma roupa já pré estipulada para a ocasião. Curioso. Foi tudo muito rápido, uma vez que eu estava ali apenas olhando, tentando encontrar algum rosto que fosse simpático o suficiente para começar uma conversa. Os rapazes se encontravam mais agitados do que as meninas. Eles já se conheciam todos? Parecia. Eles davam umas risadas, com força, com fome e se agitavam por todos os lados. Observadora e no meu canto, eu vi de longe que um rapaz segurava por debaixo da camisa uma jarra plástica de água e mostrava curioso para um outro rapaz. Ufa, não era uma arma. Era apenas água. Pra que ele quer água? Eu disse pra menina que se encontrava ao meu lado o que aquele rapaz tinha debaixo da camisa. Ela olhou pra mim e deve ter pensado de onde vinha tal preocupação minha nisso. Deixa ele ter o que ele quiser dentro da camisa! O tal rapaz desceu para o andar debaixo, através das rampas que eram emf romas de caracol. No andar de cima, eu conseguia ver tudo o que se passava nos andares de baixo. Ele passou em frente de umas meninas e jogou água nas camisas delas. O sutiã ficou bem a mostra e elas ficaram com aquele ar de indignação e piadinha da situação ao mesmo tempo. Ele não parou por ali, continuou jogando água nas camisas das outras camisas. Eu não tava muito afim de participar daquilo e resolvi alertar as meninas que ali estavam comigo. “Olha, estão jogando água nas camisas das meninas pra poderem ver o sutiã” Este meu comentário parece muito childish e não surgiu nenhuma preocupação nelas. Tinha um rapaz, pequeno e elétrico. Ele falava alto, dava umas risadas com força e foi ele quem começou a apalpar os seios das meninas que ali estavam ficando com as camisas molhadas. Assim começou. Mesmo aquelas que mostravam não gostar da brincadeira, ele dava mais risada ainda. Apertava os seios, dizendo comentários em voz alta para os outros e todos acabavam na risada. A minha visão ficou estranha. Com um nervoso súbito que subiu no meu corpo todo, tudo que estava a minha volta parecia estar mais aguçado. Eu só conseguia ver aquilo que se encontrava no meio da minha visão. Fui subindo as rampas do caracol. Queria ficar longe daquilo. Ia subindo e ia tentando ligar pro meu namorado pra dizer que aquilo não estava muito no espirito que eu esperava. A ligação terminou depois que ouvi a voz do meu namorado. Não consegui dizer mais nada porque o tal rapaz elétrico já estava por trás de mim, segurando com as duas mãos os meus seios. Eu paralizei. Não disse nada. E ele ficou ali apertando intensamente e dando risada em voz alta. Os outros chegavam perto de mim, me analisando. Eu decidi não falar nada, porque sentia que o fato de lutar contra a atitude deles, os deixava mais excitados. A minha ficha caiu. Estávamos sendo escolhidas. Íamos ser comida e fazer parte de uma suposta brincadeira de mal gosto naquela noite. Quando olhei em volta, percebi que a maioria eram meninos. E naquela altura já estavam todas as meninas berrando, implorando para tudo acabasse. Acabou a brincadeira. Aqueles meninos que eram bunitinhos no começo daquela noite e agora tinham se tornado nojentos. Monstros. Calma! Eu dizia para uma menina que estava ao meu lado. Não demonstre medo! Aonde estava a minha colega? O telemovel dela ainda estava comigo. E se ela quisesse usar para falar com alguém também? Aonde ela estava? Ai meu Deus... Nos colocaram uma do lado da outra. Um rapaz qualquer chegou por trás de mim, me apertou. Ficou agarrado, me segurando entre os braços fortemente. Eu sentia a exicitação dele por trás de mim ao mesmo tempo que eu controlava a minha respiração. Que vontade de gritar, que vontade de chorar, que vontade de vomitar. Nojo! Passou as suas mãos nas minhas pernas, e foi subindo com os dedos. Ele queria saber como eu era por dentro. Tinha carne. Eu era de carne e aquilo doia. Não tinha delicadeza nos dedos dele. Ele não tinha o menor cuidado. Me machucava tanto... Eu tive que pedir pra ele parar. As palavras foram mais fortes do que eu. Mas o que ele me respondia era apenas o hálito quente que sentia no meu ouvido. Parecia um cachorro. Ele disse “Essa daqui”. Me puxaram para fora da sala. A brincadeira agora era de tirar fotos e fazer vídeos através dos telemoveis deles. Eu era mais do que uma boneca insuflável. Um homem que trabalhava naquele lugar passou por nós e ali foi obrigado a ficar. Os meninos ameaçaram ele caso ele fizesse algum movimento suspeito. Foi “convidado” a assistir a brincadeira. Me batiam. Queriam que eu sorrisse pra foto. Queriam poses, queriam que eu me inclinasse, que me tocasse.

Três homens chegaram com pressa e dizeram que tudo aquilo passou tinha passado do controle e que eles tinham sido descobertos. Mais rápido do que eu pudesse imaginar, eu aproveitei aquela intervenção e saí correndo para as escadas abaixo, enquanto tentava discar o número do meu namorado no telemovel. Não conseguia concluir os números. Nervosa, correndo, olhando os degraus, olhando para trás, fugindo. Precisava aproveitar aquela oportunidade para fazer tudo. Eram instantes que acabam mais depressa... Meu pai atendeu a chamada. Eu tinha uma bola intalada na minha garganta. Tinha que fazer força pra falar, porque todos os sentimentos estavam reprimidos dentro de mim. Tinha que falar rápido. “Pai, chama a policia pro hotel. Eles nos forçaram, machucaram... viramos bonecas pai.” Com o sofrimento de pai, ele me respondeu “Já estão cercando o prédio... filha...” Eu tentei abrir uma porta de vidro que tinha na minha frente enquanto escutava o choro do meu pai. Tinha que me esconder. Até que me puxaram pra trás. Eram dois meninos. Eu disse que o chefe deles já tinha chegado e a resposta foi um soco no nariz. Não se importaram. Viram que eu estava fazendo uma ligação e a raiva cresceu dentro deles. A ligação continuava. Eu perdi o controle que tinha antes e implorei para não me matassem. Meu pai ouvia tudo na linha. Me inclinaram pra frente, batendo nas minhas costas. Iam me castigar, afinal de contas eles já não tinham mais tempo. Com toda força que ainda tinha, gritei que eles iam parar no inferno. O telemóvel caiu no chão, levemente. Diante de tanta dor que eu sentia, eu gritei pro meu pai desligar a ligação. Não era preciso que ele ouvisse mais nada. Os meus nervos pareciam estar dilacerados por dentro. A força toda que meu pulmão tinha, estava envolvida em gritos sendo sufocados com o meu choro. A minha alma não teve condições de continuar presa. Saiu de mim, deixando o meu corpo mole, sem respiração, sem dores.


Estupro: crime de forçar alguém ao coito mediante violência ou grave ameaça.

Juventude: Perídio da vida entre a infância e a idade adulta; mocidade. Energia, vigor.

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