Sunday, November 29, 2009

O carro


À medida que conduzo a nossa velha carrinha por estas estradas desertas, estou a olhar em frente atento ao caminho e tu enrolada no assento ao meu lado olhas para essas planícies secas com vegetação quase inexistente. É o crepúsculo mas ainda não liguei as luzes, não agora, não neste momento belo á medida que o Sol se põe á nossa frente, lenta mas insistentemente.
Eu olho para ti e nem reparas, e penso em tudo o que passamos, penso principalmente no teu pedido meses antes para fazermos esta viagem e apercebo-me, pela primeira vez, que te amo.
“Estamos na tua casa, estamos a ver um programa qualquer, sentados no sofá dos teus pais. Estás encostada a mim e eu com um braço sobre os teus ombros. Sem aviso viras-te e com um olhar de quem acabou de ter uma epifania dizes:
- Temos que ir àquela cidade.
- Ahh?
- Àquela cidade. - Dizes apontando para a televisão. - Temos que ir lá.
É uma cidade qualquer no sul sem qualquer relevância cultural, social ou económica, mas que por qualquer razão decidiste visitar.
- Porquê? – Pergunto.
- Porque eu quero!
- Está bem…
- A sério? Vamos?
- Pode ser. Depois vemos isso…”
Passados quatro meses aqui estamos e apenas agora me apercebo que te amo. Decidimos passar três semanas naquele simples e aborrecido sitio que demora dois dias a chegar. Vamos fazer coisas que realmente não gostamos mas que todas as pessoas que estão de férias fazem.
Sem desviares os olhos da paisagem que passa rapidamente pela janela, vens e encostas-te a mim como fazias á quatro meses atrás quando decidimos fazer esta viagem, esta entediante viagem.
“Numa manhã antes de entrarmos para as aulas na universidade, estou encostado na parede do edifício em que vais ter aulas e tu encostas-te a mim dás-me um suave beijo nos lábios e dizes muito envergonhadamente mas muito sentida:
- Amo-te.
- Eu também. – Respondo sem pensar muito no que disse, quase mecanicamente.
É a primeira vez que mo dizes e eu não dou muita importância e tu também não dizes nada a pensar que eu achei aquela situação muito profunda, que não tenho palavras para o descrever, o que não é verdade. Nem te passa pela cabeça que eu não penso o mesmo que tu.”
Sem me aperceber, e provavelmente sem tu te aperceberes, adormeces encostada a mim e o teu peito move-se lenta e ritmadamente, os teus olhos estão fechados tão levemente que o simples toque de uma pena poderia abri-los.
Tivemos os nossos maus momentos, tantas discussões e tantos problemas que me fizeram querer ir embora. Passamos por isso tudo e agora estamos aqui, assim. Parecem tão perto esses momentos difíceis para ti, mas ao mesmo tempo parece que se passaram á anos atrás.
“- Cala-te! – Ordenas. - Já estou farta!
- Mas eu apenas disse que…
- Só dizes coisas absurdas. – Dizes enfurecida. – Nunca mostras afecto. Nunca falas de coisas que importam, de coisas que nos importam. Não te importas comigo…
- Eu não sou assim, eu não falo de sentimentos. - Digo irritado. – Tu sabes disso…
- Eu sei, eu sei e não gosto disso, mas gosto de ti e quero ficar contigo…
- Então fica. Fica. Mas não me peças para mudar. Sabes que não o farei.
- Sim, sim eu sei, mas não quero ficar assim.
- Se não te sentes bem, então… vai…
- Mas… eu… Amo-te, amo-te muito….
- Eu também…
E depois beijámo-nos e tudo fica bem entre nós. E tu não reparas que eu não disse aquelas três pequenas palavras que significam tanto para ti. Eu podia ter ido embora mas decidi ficar, por ti, para não te ver chorar, para não ouvir as tuas lamúrias.”
Eu continuo a conduzir, está tudo escuro, e reparo que a gasolina está a acabar por isso paro na estação de serviço seguinte e já á algum tempo que a noite caiu. Encho o depósito e entro na carrinha. Tu acordas-te quando saí mas ficas-te na mesma posição por isso quando entro tornas a ficar encostada a mim e logo voltas a adormecer, e nós continuamos a nossa longa viagem.
“- Seu porco. – Cospes-me na cara. – És um nojo, atiras-te a qualquer puta que olha para ti…
- Desculpa, eu não queria…
- Não querias a puta que te pariu. O que fazia a tua língua pela garganta dela abaixo? Não me venhas com histórias. Se não entrasse naquele momento de certeza que já estavas a foder com aquela vaca de merda.
- Mas bebi… e sabes que…
- Sei que o quê? Sei que o quê? Só por beberes uns copos a mais pensas que é justificação para andares metido com essas megeras nojentas para quem olhas? Não me venhas com as merdas de sempre.
- Eu não quero… por favor… amor ouve-me…
- Já estou a ouvir, e a ver as merdas que fazes ainda melhor. È melhor começares a explicar-te, bem e rápido porque estou sem paciência para olhar para essa tua carantonha.
E eu explico-te e tu aceitas-me de volta e decides não voltar a falar deste assunto nunca mais. Eu penso na hipótese que tive de me ir embora, de partir deste longo episodio das nossas vidas que insiste em não acabar, que nunca teve tanto significado para mim como tem para ti. Mas acabo por ficar, acabo sempre por ficar, talvez por ser o que conheço melhor, por ser aquilo que me faz sentir mais confortável. E então tu dizes:
- Amo-te…
- Eu também…
Tudo fica bem entre nós e tu não pensas no porquê de não o dizer, nunca reparas nas palavras que eu não digo, nem duvidas do que sinto. Nós continuamos como sempre estivemos, com apenas mais um obstáculo, um pouco mais magoados e um pouco mais vazios.”
Passa um carro por nós com os faróis no máximo e eu acordo de um transe qualquer, dum pensamento qualquer. Está tudo muito escuro á nossa frente, mal consigo ver. É raro passar um carro por estas longas e desertas estradas. Eu olho para baixo, para ti, e vejo os teus lindos cabelos castanhos lisos e brinco com eles entrelaçando-os entre os meus dedos.
“Tu estás por cima de mim e movimentas para cima e para baixo, num movimento ritmado. Os teus cabelos descem pelas tuas costas suadas colando-se a elas e eu amarro-te a cinta com as minhas mãos incitando-te. Tu dobras-te e agarras fortemente os meus cabelos. Beijas-me intensamente e de súbito levantas-te e gritas de prazer.”
Eu vergo-me e beijo gentilmente o topo da tua cabeça e tu estremeces em resposta. Eu paro imediatamente, não te quero acordar. Pareces tão pacífica e dócil e inesperadamente chamo-te num sussurro:
- Lynn…
Nada. Não me ouves.
- Lynn…
Chamo-te mais alto, desta vez estremeces novamente, mais bruscamente.
- Lynn!
- Sim?... – Dizes ainda meia sonolenta enquanto me olhas apenas com um olho.
- Eu amo-te Lynn…
Tu levantas-te subitamente desperta, olhas-me nos olhos intensamente como se te apercebesses de algo importante e respondes:
- Eu também te amo…
Então beijas-me como nunca antes. Beijas-me com intenção ardente, com paixão, com todo o amor que sentes e consegues colocar neste simples gesto. Eu tento responder da mesma maneira. Neste momento inquebrável, inesquecível embatemos de frente num camião, há sangue por todo o lado…

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